quinta-feira, 24 de setembro de 2009

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Pitacos de Canto

A sensação de ver um espetáculo no qual você trabalhou como ator sendo feito sem você é, no mínimo, curiosa. A impressão que se tem é a de que você saiu do seu corpo no momento em que fazia o espetáculo e começou a observar de fora, como naqueles filmes onde o cara sai do corpo e começa a observar de fora, sabe...?

E aí, muitas coisas ganham nova dimensão através da visão deste que inusitadamente assiste ao trabalho. Porque este conhece os detalhes da peça, as virtudes e os defeitos de cada ator, sabe quem está substituindo quem, sabe onde corre-se o risco de desafinar ou falhar na acrobacia, torce a cada momento, surpreende-se com uma nova intenção de texto dada pelo antigo colega de cena, ri e canta junto, batuca na perna... e dá pitaco. Então, longe de querer fazer uma crítica, quero apenas falar do que vi. O que orgulhosamente vi e que me fez sentir um espectador especial deste belíssimo espetáculo que é o Canto de Cravo e Rosa, no último dia 29.


Um ponto altíssimo desta temporada é o retorno de Viviane Juguero ao papel da Rosa. Encarando o papel de mãe durante algum tempo, não pôde estar presente no último ano de trabalho. A atriz que a substituiu o fazia muito bem, mas a questão é que a Vivi traz um certo brilho para a Rosa, uma clareza de fala, de voz (e que voz!) que é fundamental à personagem. Por outro lado, se a Vivi é uma excelente cantora, como atriz ainda tem um certo caminho a percorrer. O que me deixa muito feliz é perceber que, mesmo com tantos anos de carreira, as fichas continuam caindo e seu trabalho continua evoluindo. Acredito ter presenciado uma apresentação muito interessante, pois após as palavras de Antônio Hohlfeldt sobre o espetáculo, a atriz deu mais atenção à sua “máscara facial” e está encontrando as sutilezas de sua personagem de forma muito mais concreta.

Sutileza, aliás, que pode ser a palavra que define a evolução de Ana Cláudia e Éder RosaS no espetáculo. Nota-se que a aranha e o sapo estão muito mais à vontade em cena, encontram as sutilezas necessárias para que o público os compreenda bem. E a Aranhosa está desafinando como nunca! (o que – para quem não viu a peça – é um baita elogio, hein?).

Mas existe um porém nessa história toda, até porque nem tudo são rosas (nem cravos, com o perdão do trocadilho infame). Falta precisão nas ações dos atores, o que é algo de fundamental para que tudo funcione bem. Note-se que a precisão que eu aponto aqui não é somente do lado físico, mas também do lado vocal. O cravo Rodrigo Marquez – que está aos poucos descobrindo seu personagem – passa muitas vezes batido pelo texto, pelas intenções, pelas sutilezas que lhe dariam uma nova dimensão. Os gestos que executa carecem de intenção para que se transformem em ações físicas. E aí eu chamo muito a atenção para dois atores secundários que compõem maravilhosamente bem o elenco: Diego Neimar e Ravena Dutra. Eles aproveitam cada segundo em cena, trabalham com as mínimas ações possíveis. Diego brinca com o chapéu que o Cravo lhe lança durante a briga ao mesmo tempo que toca violão. Ravena não dá um só passo em falso ao longo de todo o espetáculo. Tudo o que ela faz está estudado, previsto, e recheado de intenções: um exemplo que deveria ser seguido pelos colegas.

Essa precisão de movimentos, de texto e de intenções é um excelente gancho para falarmos das acrobacias presentes no espetáculo. Isso porque às vezes ela perde sua função de corporificar o drama: a caça do Sapo à Aranha, a dor do Cravo, a surpresa do encontro da Rosa com a Aranha, a luta acidental entre o Sapo e o Cravo... Cada cena, cada movimento acrobático presente na peça foi pensado, discutido, articulado para que materializasse o conflito daquele momento. E uma simples execução pode dar a impressão errônea de que existem acrobacias demais e sem função, o que não é verdade em nenhum sentido.

Se meu pitaco se estendesse ainda à direção do trabalho, eu pediria para o Jessé Oliveira rever o início do espetáculo, que possui vários “falsos começos”. Pude perceber, estando dessa vez na platéia, que apesar de ser muito interessante como ambientação e despertar o interesse da criançada, a passagem excessiva de todos os personagens pela cena acaba colaborando para dispersar a atenção justamente por se estender demais.

Agora, se eu pudesse deixar aqui registrado o pitaco oficial deste que fez parte do processo de criação do espetáculo e tem muito orgulho do que viu como público, eu diria que, principalmente nesta peça, fazer teatro é brincar. Uma imagem, um gesto, uma intenção... tudo pode ganhar dimensões diferentes somente a partir da brincadeira. O espetáculo é uma cantiga, os atores estão (quase) em roda, e se a necessidade básica for a de se divertir, o resto (amadurecimento dos personagens, nuances, precisão) será conseqüência dessa diversão.

O mais importante é que o espetáculo avança, cresce cada vez mais. Olhando de fora, sinto aquela sensação de recompensa que temos quando olhamos para traz e vemos a linda história da qual fizemos parte.

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