quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Uma viagem no ônibus

Ontem, no ônibus ainda, aconteceu algo inusitado: um bichinho subiu na minha mão. Era uma joaninha ou algo parecido. Meu primeiro impulso ao sentir seu toque foi dar um cascudo e jogá-lo longe, mas freei a ação segundos antes de fazê-lo e temi pelo destino do bichinho: estávamos em um veículo com ar condicionado completamente fechado, o que significava que eu não tinha condições de jogá-lo pela janela aliviando minha consciência por tê-lo devolvido à natureza, ainda que sabendo que ele estaria no asfalto sujeito a qualquer pneu desavisado. Ademais, se desse o cascudo, ele iria ao chão e não sairia daquele ambiente, podendo ser simplesmente pisado por alguém. Resolvi, então, mantê-lo caminhando entre meus dedos (o que não é fácil porque esse tipo de inseto nunca pára e é sua mão que precisa movimentar-se para que ele continue, enfim, caminhando em círculos sem saber) até o ponto de descer e deixá-lo em uma árvore. Isso passou a ser meu objetivo naquele instante, e a mulher que se sentou ao meu lado algumas paradas depois deve ter estranhado muito minha relação com meu novo amigo. Era uma ação meio autista: um cara sentado mexendo a mão enquanto um inseto caminha por ela. Mas isso não importava naquele momento, o que importava era o objetivo maior: deixá-lo a salvo em uma árvore quando descesse do ônibus. E foi o que fiz, por mais difícil que fosse levantar com o ônibus em movimento e segurar-se no pega-mão sem esmagar o bichinho que estava perto da minha palma – tudo isso ajeitando minha mochila e pedindo licença à moça aquela que estava do meu lado. Desci, coloquei-o na árvore. Missão cumprida. Então, enquanto ia para casa, começou a viagem: e se depois de tanto cuidado, ainda sentado no meu lugar no ônibus, eu perdesse o bichinho de vista? Sei lá, se ele entrasse pela manga da minha camiseta, como eu o tiraria de lá sem esmagá-lo? Ou pior, será que eu não teria um desses sobressaltos assustados que fazem espanar o local por onde o inseto acabou de entrar? Isso seria o seu fim, certamente. Ou ainda: Se na hora que eu tivesse levantado, o ônibus tivesse dado uma freada brusca, me obrigando a segurar repentinamente no pega-mão, esmagando o bichinho que, aí sim, estaria no centro da minha palma? Imagina a minha reação... imagina a reação daquelas pessoas que tinham acabado de presenciar uma inesperada interação entre homem e inseto. Quem ia começar a rir do homem, pelo seu trabalho mal-sucedido e sua estupidez? Quem deles iria sentir pena do bichinho que estava a um passo da sua liberdade? Qual homem, qual mulher iria compreender a seriedade do momento onde uma tentativa de resgate foi mal sucedida e a vítima havia se perdido para sempre...?

domingo, 2 de janeiro de 2011

What is a happy new year?

Chegou o tão comentado ano de 2011. Temos mais um ano de vida na Terra antes que o mundo acabe, segundo algumas correntes aí. Se você está lendo isso é porque conseguiu atravessar o ano passado inteiro. Não digo que o tenha feito ileso, claro que muitas marcas o ano que passou deve ter deixado em você, assim como deixou em mim, no seu colega de academia (nas várias acepções da palavra) e no vizinho do andar de cima. Você de repente foi atropelado, ou empurrado, ou acabou algum namoro, o foi operado, ou teve febre, ou foi traído por algum amigo que roubou dinheiro da sua bilheteria, mas sobretudo você atravessou isso. Você está em 2011. Você consegue ler este texto agora. Você deveria se orgulhar disso.


O ano está começando e com ele a gente recebe muitas palavras de incentivo que nos impulsionam a vivê-lo diferentemente do ano que passou. O mundo nos deseja muito dinheiro no bolso (há quanto tempo a gente ouve isso, mesmo?), como nos desejou na entrada de 2010 e como nos desejará o ano que vem. “Muita paz” ouvimos pelas ruas. Muita paz? Como assim? – perguntaria este sem ene que vos fala – defaine “paz”, s’il vous plaît. Paz é uma palavra que deixa muita coisa em aberto: é da paz no mundo que estamos falando? A paz na vida? A paz que se transforma em marasmo quando finalmente chegamos nela? O mundo, o ano, a década – a vida, enfim – são feitos de desafios, e se não for assim caímos no marasmo esse. E esse conceito não combina com a paz desejada no final do ano. Talvez seria melhor nomear esse desejo de “paz nas ruas”, “paz no trânsito”, “paz no morro-de-fulano”, mas não “paz na vida”. A vida deve mover-se. Se não, não combina com a palavra vida.


Agora, viver em movimento é indolor? Não, não é. É nos momentos de desafio e dor que o ser humano cresce. Dói até assumir isso, mas é verdade. Pare um momento, olhe para trás, e você verá o quanto cresceu e o quanto aprendeu nos momentos ruins. Mas me nego – e todos deveriam negar-se – a aceitar esse momento ruim como permanente. Ele só é válido se for transitório.


Ok, finish momento auto-ajuda.


A tevê faz toda uma reportagem para dizer que o ano novo não tem nenhum valor aparente nos movimentos místicos que se conhece. Não é um transito especial dos planetas, não é simbólico no catolicismo – religião predominante no Brasil. (aliás, me ensinaram na catequese que quando Jesus nasceu, Maria começou a contar os dias, por isso se diz “antes” e “depois” de Cristo. Minha pergunta sempre foi: por que o ano começa, então, uma semana depois do nascimento dele? Seria uma margem de erro que deu Maria, caso não tenha conseguido contar dia por dia? Isso é normal, né? Essas tarefas diárias são fáceis de esquecer: anotar gastos diários, tomar pílulas, tomar antibióticos... imagina contar a idade do seu filho em uma época onde não existem calendários impressos com imagens de garotas nuas para dinamizar os dias... Então nada mais justo que ela tenha dado uma semana para contrapor os dias que esqueceu de contabilizar. Essa explicação quase me satisfaz.) E no entanto, existe todo um movimento mental que nos faz pensar coisas boas para que quando o relógio bata a meia-noite e os fogos estourem no céu, a vida mude. Assim, como quando se diz tirrim, tirrion: Coisas boas, Tirrín!! Coisas ruins, Tirrión!!


Não seria bom se conseguíssemos mentalizar isso nos outros dias do ano também? Acordar com o pé esquerdo, maldizer a vida e o mundo e de repente parar e pensar: “hey, não foi isso que combinei comigo mesmo no Réveillon! Coisas boas, Tirrín!”


E aí sim o mundo seria belo e bonito, as pessoas correriam pela relva tal qual um filme campesino onde as crianças tomam banho de riacho, onde os amores são eternos e onde todas as promessas de amor são cumpridas. Onde não existiria conflito armado nem medo de voltar para casa depois das onze da noite. Nem medo de voltar para casa de surpresa e não ser recebido. Onde você diria o que pensa sem medo que as outras pessoas se ofendam. As preocupações do mundo se resumiriam a resolver problemas de escoamento urbano para que não existam enchentes, salvar mineiros quando alguma coisa saia errado, ou simplesmente encontrar alguém para ficar junto e trocar um beijo ou dois. Ou seja, coisas que não fossem provocadas por nós, os humanos, de uma maneira proposital, maldosa.


Encontrar público para assistir à sua peça já não seria problema, pois as pessoas buscariam seu enriquecimento pessoal por conta própria, sem sentir-se empurradas a fazê-lo. Acidentes no trânsito já não existiriam, pois as pessoas respeitariam – não as regras de trânsito, mas a si mesmas, o que é bem mais complicado. Problemas políticos seriam diminuídos, pois os donos do país pensariam de verdade no seu povo. Ninguém aumentaria seu salário em 73% enquanto sorri diante da desigualdade de um país de dimensões continentais.


E assim a gente teria paz. Não na nossa vida, note bem. Afinal, namoros acabam, trabalhos têm de ser escritos, prazos têm que ser respeitados, correrias devem ser feitas, definições dos novos rumos das coisas-pós-contemporâneas têm que ser realizadas, muitas vezes com muitas discussões e debates. Mas a paz estaria lá, no seu lugar, guardada principalmente no respeito que as pessoas trariam junto consigo de fábrica.


E a vida continuaria movendo-se.


always.

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