Escreveu, escreveu, parou, pensou. Tornou a escrever. Aguardava ansioso o momento que inevitavelmente chegaria junto com o amigo que tocaria a porta dentro de quinze minutos. Um calafrio percorre seu corpo. Tira o computador de cima das pernas e o coloca no sofá. Seu colo ainda está quente da máquina que permaneceu ligada durante toda a tarde. Quanto tempo havia perdido navegando em páginas inúteis, pensa. Embaixo da mesa jaz o que restou do copo que havia caído há umas duas horas atrás, vítima de uma perseguição implacável do gato contra um mosquito indefeso. O mosquito já não existia, o gato dormia ao lado do novo lugar do computador. Caminha com dificuldade até o banheiro, onde lava a cara e escova os dentes. Desde a sacada, pode ver os refletores da quadra acendendo-se, luz trêmula, esperando a chegada dos que iam se divertir nos seus jogos vespertinos. Observa o vermelho do sol poente contra o azul do céu que ainda não tinha se entregado à noite, somado com luz a branca, fraca e trêmula da quadra esportiva: “essa luz insuficiente”, balbucia, enquanto outra idéia vem ao pensamento: “é cedo para ligá-la, que desperdício”. No sofá, o gato faz um movimento e apóia a cabeça no computador ainda quente. Caminha de um lado para outro tentando encontrar aquela calça que tinha lavado há duas semanas, mas que não se lembrava de ter tirado do varal. Pega o giz e escreve no quadro, passo a passo, tudo o que deveria ser feito aquela noite. “Impossível, não conseguirei”. Senta na cama, olha o relógio: falta pouco. Seu olhar viaja pelo quarto, passa sobre os objetos, afaga as fotos, desliza em recordações, sai pela janela e se detém em um prédio longínquo. A sombra de um homem com seu guarda-chuva parece encará-lo desde o terraço. Ele também o encara. A sombra não se mexe, ele não se mexe. Encaram-se fixamente durante um tempo que pareceu uma eternidade. Angustia-se. Vai se levantar e gritar na sacada em direção àquela sombra, quando nota o guarda-chuva abaixando e fechando-se. Detém-se. Trocam olhares: um homem contra uma sombra. A sombra vira as costas e vai, sumindo no relevo do terraço de um prédio que ele nem sabia qual era, deixando-o apenas com aquela inscrição ilegível pichada no seu cume: letras pretas, grandes, distorcidas e altas, muito altas. “Tem que gostar muito de aparecer para subir até lá e grafar essas letras ilegíveis para toda a cidade ver”. Levanta, coloca uma calça qualquer como segunda opção, passa a mão no casaco e olha-se no espelho de corpo inteiro. Suspiro. A campainha toca.
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