terça-feira, 19 de julho de 2011

Les éphémères

Em uma manhã de janeiro – em uma quente manhã de janeiro – ele despertou e tateou ao seu lado o corpo adormecido. Ela, cada vez mais linda, virou para o lado e nem percebeu que ele despertava. Ele, com toda a delicadeza que há muito não usava para sair da cama, saiu, para não acordá-la – como há muito não fazia. Sempre tentava não despertá-la. Ela, sempre com o sono muito leve, nunca deixava que ele não a despertasse. Pé por pé ele saía pela porta e antes que ela fechasse completamente, escutava uma vozinha bem pequenina lá no fundo do quarto escuro: Cadê meu beijo...? E ria, e voltava correndo para a cama, se jogava sobre ela e era uma vontade enorme de apertá-la até explodir. E assim os inícios de manhãs passavam, felizes. Naquele dia foi diferente: ele conseguiu sair sem despertá-la. Quando encostou a porta, quase não acreditou que tinha conseguido. Ficou feliz porque não gostava de despertá-la antes da hora quando ela tinha a manhã livre. Foi para a cozinha, acendeu o fogo e colocou a água para o mate. Estava organizando a louça, quando sentiu uma presença atrás de si: aí estava ela, pequenina, camisola azul celeste com detalhes de uma outra corzinha, mão direita coçando o olho tal uma criança que levanta antes da hora, e um sorriso que há muito ele não via. Ele pensa no quão é bom estar de volta e no quão é bom tê-la sempre por perto. Ela sorri, apenas. Ele sorri. Ela corre na sua direção e o abraça. Assim ficam, alguns minutos. Ele a sente tremer nos seus braços, beija seu pescoço, rosto e lágrimas. Suas lágrimas começam a se misturar, eles se abraçam como se há muito não o fizessem – e há muito não o faziam. Tudo bem?, ele pergunta. Tudo, ela responde, completando: Todos os dias eu me levanto, passo por aqui, e sempre estou sozinha... hoje, eu te vi... e foi como um sonho... uma lembrança boa... e aí me dei conta de que não era sonho, era real... você está aqui... é de verdade... E ao escutar isso ele chora junto com ela. E se dá conta do amor que ela sente. E ela sabe nesse momento do tamanho do amor que ele sente. E ele promete que quando tudo isso acabar eles voltarão a ficar juntinhos, como haviam prometido, para sempre. E ela aceita. E sob o cheiro do mate que começa a ficar pronto em uma manhã quente de janeiro, os dois selam mais um dos tantos pactos que selaram. E o dia amanhece em paz. E eles, até hoje, estão aí, em uma cozinha, sob o sol matinal, agarradinhos como dois carrapatos que tremem as patas, felizes para sempre.

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quinta-feira, 14 de julho de 2011

De um sonho, ou de uma viagem...

Uma vidente que vê o futuro numa bola de cristal. Um homem que procura alguém em Bérgamo. Mas na hora de falar, ele se engana e diz “Fortaleza”. A vidente olha para a bola de cristal e diz “tem certeza que não é em Bérgamo?” Com a esperança acesa, ele responde “sim, sim, é Bérgamo, eu é que tinha me enganado. O que você está vendo?” Resposta: “Nada”.

sábado, 9 de julho de 2011

Seus olhos e seus olhares

Meninas são tão mulheres, o garoto acordou e pensou, logo ao se espreguiçar. Ainda não tinha processado muito bem os últimos acontecimentos. Tampouco tinha conseguido dormir aquela noite como sempre dormia após uma noite como aquela. O coração continuava disparado, mesmo após o despertar. A pupila continuava dilatada e os pensamentos continuavam correndo, desatados, sem que ele pudesse fazer qualquer coisa para impedi-los. Revia cada detalhe com uma precisão incrível, brincava de mover os fatos de lugar e de alterá-los conforme gostaria que as coisas tivessem se passado. Revia o olhar. E cada vez que o revia, sentia-se partido ao meio, de novo. E de novo. Me miras, me miras, y me sacas a bailar... e que baile foi aquele. Uma dança proibida, intensa, rápida e inesperada. Tinha passado os últimos tempos tentando negar aquele olhar, mas quando se tenta negar o que é tão evidente, sempre se sai perdendo: mais cedo ou mais tarde ele volta. E quando volta, está potencializado de uma maneira incrível, que chega a derrubar. Gira na cama, sobre o braço. Impossível controlar os pensamentos, já diria aquele cara que passara por uma situação limite. É que as situações limites jogam o homem no centro do perigo, lá onde não existe mais medo. Lá onde ele se dá conta de que o que foi feito, foi feito. Sem volta. Mas o medo, como a gente conhece, esse medo que espanta, existia antes. Agora, ele atinge um outro patamar, atravessa a fronteira, dá de cara com o que tinha tanto imaginado e... gosta. Gosta disso. É um ritual de vida. Sua adrenalina sobe e ele sente que a outra adrenalina também subiu. Sente seus truques e confusões se espalharem pelos seus pêlos, boca e cabelo, peitos e poses e apelos. E lhe agarram pelas pernas (apenas para completar o verso da música). É aí que o telefone grita que chegou uma mensagem e ele pula mais rápido do que o som do próprio telefone para dar-se conta que não era o que esperava. E solta um suspiro lento e preocupado, dando-se conta de que não deveria estar pensando tanto nisso. Mas o coração não acompanha a lentidão do suspiro, c’est tout à fait le contraire: ele é a própria tauba de tiro ao álvaro frechada pelos olhares de bala de carabina. Joga-se na cama encore une fois (“caramba, estou controlando muito mal meu cérebro”). Um carinho, um cafuné e um te ver e não te querer é improvável é impossível e um puta-merda-pára-de-pensar-nisso. Percebe que no fim, está no fim. Tudo sempre tem data para acabar... não poderá ficar nem mais um minuto com você, sinto muito mas não pode ser, o tempo é curto, a vida passa correndo ante nossos olhos e impossível é agarrá-la pela cola. Sempre ela, a vida. Rápida e intensa, como la vida. Porque logo nessa época? Sabe, que, no fundo, amores imperfeitos são as flores da estação.


...e se a vida é feita de momentos, porque não aproveitá-los...?

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