Há um ano decidi levar a sério meus estudos e
trabalhos com mágica, coisa que eu já estava há muito mais tempo interessado,
mas que nunca tinha decolado. A brincadeira começou a se mostrar muito mais séria
do que parecia e me levou a descobrir caminhos, pessoas e possibilidades
ímpares!
Uma das coisas que eu fiz para “perder o medo” do
público foi pegar meus aros e sair pra rua. Fui caminhar em São Paulo para
levantar algumas possibilidades. Não tinha nem um show fechado, nem coragem
para parar alguém na rua e perguntar se queria ver um efeito. Era um mal
começo. Então uma idéia me veio à l’esprit: eu poderia experimentar algumas
apresentações em semáforos, por que não?
Nesses devaneios, ao cruzar uma esquina
movimentada, vi um malabarista trabalhando. Decidi descer e conversar com o
cara, uma das melhores decisões que eu já tomei sobre o assunto. Era um
argentino que ficaria um mês por ali e que precisava juntar grana diariamente
para pagar o hostel no qual estava hospedado e fazer um pé de meia antes de voltar
pra casa. Muito simpático, o cara começou a me dar dicas de pontos, maneiras de
apresentação, passagem de chapéu. Mostrei meus aros, o cara surtou. Disse que eu
tinha que aproveitar esse número que era ótimo e que ele nunca tinha visto em
semáforos. Dali em diante, sempre que tinha um tempinho voltava à esquina da
Avenida Brasil com a Nove de Julho, dava um oi pro argentino e ficava no
sentido oposto da avenida durante uma hora, duas horas, meia hora, mostrando um
pouco dessa minha nova descoberta em arte ali, na rua, fazendo uma graninha de
chapéu e estudando a reação das pessoas. Tem desde os que adoram a
apresentação, buzinam e aplaudem, até os que odeiam e te atropelariam se
permitido fosse. Além, é claro, daqueles que fingem que não estão vendo, olham
para outro lado, fixam o olhar no sinal vermelho, etecetera, etecetera...
Sentávamos embaixo de uma marquise, eu e o
argentino, e conversávamos sobre o público, tecíamos teorias sobre como as
pessoas reagiam, sobre o tamanho dos carros do público paulista (são enormes, e
você só começa a se dar conta disso quando transita entre algumas capitais com
o olhar voltado para isso), sobre como as pessoas estão cada vez mais fechadas
no seu próprio mundo, buscando uma individualização exacerbada, com vidros
negros que impedem de ver se existe alguém realmente dirigindo aquele carro. O
cara tinha várias teorias de passagem de chapéu, de quantidade de entrada de
grana. Dizia que na primeira semana do mês é ruim, só melhora a partir do dia
7. Eu dizia que achava que quando os caras não olhavam diretamente para o
número é porque não tinham nenhuma moeda ali dando sopa e não queriam ser
público se não tinham com o que pagar. Enquanto isso, as histórias pipocavam
tanto que eu tive vontade de abrir um blog apenas para refletir sobre o
assunto: sobre a reação das pessoas, sobre os pequenos fatos que aconteciam
conosco ali. Depois levei em consideração o fato de que eu deixo o Maico Sem
Ene tão abandonado durante tantos períodos do ano que eu não teria coragem de
alimentar outro blog que não fosse ele.
Teve uma Kombi cheia de trabalhadores uniformizados
que ficou horas me aplaudindo e chacoalhando de um lado para outro. Teve alguém
que jogou um punhado de moedas no canteiro central porque eu não tinha passado
por ali e a pessoa queria muito retribuir o pocket show. Teve o dia em que eu
ganhei uma clave amarela de uma moça que passou numa scooter. Aconteceram
animações de festas de aniversário porque pegaram o meu contato por ali. Um
dia, um motociclista voltou e me convidou para apresentar mágicas para as
crianças da sua comunidade, onde ele conduzia um projeto de animação infantil.
Teve um cara num carro da Band que queria me levar num programa de TV! (hihihi...).
Fora as crianças que ficam por ali vendendo bala. Tão pequenas, aparentemente
frágeis, e já tão endurecidas pelo sol e pelos tantos “nãos” do semáforo.
Demorei para conseguir um pouco da confiança e atenção delas, mas conseguimos
conversar algumas vezes, fiz alguns efeitos especialmente para eles (tem um
menininho que é especialmente arredio, super desconfiado, que só começou a
confiar em mim depois que eu fiz uma tampinha de garrafa desaparecer. Hoje,
sempre que me vê, ele vem com uma folhinha catada no chão: “tio, faz sumir?”).
Muita história boa de ser contada. Hoje, passado um ano do início disso tudo,
eu “regretto“ de não ter escrito essas histórias todas no calor do momento.
Fazendo a festa junto com a criançada da comunidade. Convite de um motociclista que estava passando e curtiu o pocket show. |
Acho que nesse tempo, o que mais me chocou foi
perceber a quantidade de pessoas que ao parar no sinal vermelho aproveitam para
dar aquela conferidinha básica no telefone, facebook, wattsap e coisas do
gênero. A pessoa pisa no freio com um olho no sinal e outro no aparelho, fica
ali mergulhada – um minuto e meio de suspensão da realidade caótica do trânsito
– para em seguida engatar e acelerar de novo. Essa nossa fixação por pequenos
aparelhos luminosos está passando dos limites do que podemos aguentar... o
problema é que ninguém para muito para pensar sobre isso. Pensar demanda tempo.
Clicar é mais dinâmico do que refletir.
Sigo nos semáforos quando me sobra um tempinho e
disposição. Fico mais naquela esquina de Sampa, mas já consegui trabalhar um
pouco em Brasília e, na última semana, fiz um recorrido em uma grande avenida
de Porto Alegre, buscando ponto interessante. Diferenças em relação à São
Paulo? Bem... carros muito menores e aconchegantes, muito mais pessoas
simpáticas e curtindo a apresentação, muito mais aplausos... que bom que ainda
não extrapolamos o senso de estresse no trânsito como na capital paulista (apesar
de termos, cada cidade, seus já conhecidos problemas de mobilidade e fluxo).
Nas próximas semanas, montarei uma agenda especial em
Poa. Além de dar cursos de verão e rever alguns conteúdos de teatro, vou abrir
espaço para frequentar algum semáforo (já estou de olho em alguns pontos). Quem
sabe este ano eu não consigo expandir essa área de atuação, e realizo o sonho de montar um
espetáculo de rua?
A ver.