A folha em branco, o tema livre,
a agenda em branco, o tudo pela frente. A sala vazia, o tudo é possível. Invejo os decoradores. Invejo aqueles com a
capacidade de olhar para o vazio e visualizar o que ainda não está lá. Invejo o
arquiteto que olha o terreno e tem a noção exata de como quer que fique o
prédio, a casa, a ponte. A página em branco. O poeta que vislumbra o poema, o
desenhista que adapta as proporções do traço ao tamanho da folha, o grafiteiro
que se pendura no prédio disposto a fazer uma árvore nascer da pequena caixa d’água
e se estender por toda a lateral do edifício, com todas as suas nuances de luz
e sombra, de profundidade, tonalidade e formas. Aqueles que criam sobre o
vazio. Aqueles que saem de férias sabendo como vão aproveitar o tempo. Aqueles
que têm um dia livre e não o desperdiçam tentando fazer tudo o que não podem em
um tempo que não têm. A vida é uma página em branco, dizem, difícil é não
enchê-la de rabiscos desconexos e sem sentido. Dar forma ao que ainda não é. Pensar
sobre o invisível, ver algo que ninguém viu ainda. Saber retirar do bloco de mármore
apenas o que não é a estátua, apenas o que está atrapalhando a visão daqueles
que ainda não perceberam que ali existe uma estátua emparedada. Desemparedar a
estátua. Redecorar o ambiente. Distribuir o tempo na agenda, o traço no papel,
os elementos no palco. Criar sobre o vazio. Respeitá-lo, respirá-lo. Entender o
que o vazio pede que se faça com ele. Escutar, assimilar, visualizar, projetar,
criar, assumir as escolhas para se permitir deixar algo aflorar. Câmera na mão,
ideia na cabeça, ação.
Se o mundo por vezes é uma página
em branco, eu passarinho. Eu, gota de tinta multicolor, pincel e artista, que
me imprimo constantemente no vazio, tentando ser fiel às minhas proporções,
cores, profundidades e estéticas. Criando sobre o nada.
Minhocão e o pé de feijão. |