Era uma vez uma escova de dentes que queria ser útil ao mundo. Queria limpar pelo menos uma partezinha do corpo de ao menos uma pessoa no mundo e assim fazer sua parte para o bem-estar social. Acreditava que se cada um fizesse sua parte, o mundo inteiro sairia ganhando e todos seriam higienicamente perfeitos. Sonhava com o dia em que ia adentrar o supermercado aquela pessoa especial pela qual seu coraçãozinho de escova bateria mais forte, a olharia de um jeito especial, e sem hesitação a pegaria e levaria para casa, onde encontraria um lar ao lado de uma pasta e um sabonete líquido. Seria perfeito!
O homem que como um bom homem não estava prestando atenção ao seu entorno, entrou no corredor errado. E se viu perdido no meio das gôndolas. Olhou para o lado e viu uma escova de dentes sorrindo, com cara de cachorro do lado de fora da vitrine. Lembrou-se que, bom homem que era, não trocava de escova havia dois anos e meio. Pegou-a.
Sim, o coraçãozinho bateu mais forte.
Chegou em casa e a largou na pia. A pasta ao seu lado estava toda torta, sinal de que tinha sido apertada muitas vezes e em todos os sentidos. O sabonete não era líquido, e sim
Estava ansiosa para começar seu trabalho, mas o homem, como bom homem que era, foi dormir sem escovar os dentes. Ela, ao contrário, quase não dormiu aquela noite de tão nervosa.
Naquela manhã, o homem levantou sonolento, foi ao banheiro, cumpriu seu ritual diário frente-privada e baixo-chuveiro, passou e repassou frente ao espelho, ajeitou seu cabelo, saiu, voltou, saiu de novo, vestiu-se, comeu e calçou-se enquanto um par de olhos atentos e ansiosos o mirava.
Estava começando a se atrasar. Estava atrasado. Estava muito atrasado. Ao sair de casa, deu um tapa na testa e disse Putz, esqueci de escovar os dentes (e não escovei ontem, e blá blá blá...). Voltou correndo, pegou a escova nova e a pasta amassada, amassou um pouco mais esta última, colocou o sumo sobre a escova e a levou a boca.
Neste momento, do ponto 1 (pia) ao ponto 2 (boca), a velocidade inicial do objeto 1 (mão + escova) foi muito superior a do objeto 2 (creme dental), que estava sobre a escova, permanecendo, este segundo objeto,
Ao colocar a nova escova na boca, o homem teve aquela sensação de estranheza provocada por escovas novas. Cerdas mais durinhas, espaço de contato um pouco reduzido. Olhava para si próprio no espelho, enquanto a água da torneira que tinha deixado aberta (como bom homem que era) levava embora o creme que deveria estar em contato com seus dentes lhe proporcionando um hálito fresco e uma limpeza profunda, como recomendado pelos dentistas.
No andar de cima, o vizinho que não trabalharia aquela manhã despertou com um grito vindo de baixo: Que merda de escova! Nem espuma não faz! Mas logo dormiu, porque não era com ele.
Dentro de uma cesta, dividindo espaço com papéis higiênicos usados, a escova ainda não tinha entendido o que tinha acontecido. Mas já a tinham prevenido que a vida era assim, e que depois disso, tudo recomeçaria em um outro plano, uma nova vida, onde nem se lembraria de seus tempos de escova. O que viria agora, ninguém sabe. Sonhando em virar um carrinho ou uma flor de plástico – ou quem sabe um relógio, ou uma capa de CD, por que não? –, fechou seus olhos e adormeceu.
3 comentários:
Ufi...
Comecei a ler e não parei mais, curiosa pra acompanhar a história da escova. Já tinha visto Maico Zucco, Maico Trotski e Maico IntenCidade. Agora vou seguir dando umas espiadas por aqui.
Bj.
tudo fez mais sentido quando percebi que pia = lavatório. sabes que aí do outro lado da fronteira, pia, só mesmo baptismal.
continua contando que eu vou lendo (e traduzindo...)
um abraço amigo!
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