sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Trac

O trac é a palavra que define, em francês, aquela sensação que sobe na barriga quando você está pronto para entrar em cena, sobretudo em estréias. Ele vem de uma inquietude, ou um medo, sei lá, uma angústia de que algo não seja bom ou que o olhar do outro pode lhe causar. Ou simplesmente porque você está a ponto de encarar o desconhecido. O desconhecido está ali, na sua frente, concreto, basta dar um passo para afrontá-lo. O trac é a ansiedade do momento que está prestes a chegar. Está aí quando estamos na sala de espera do dentista para arrancar o siso, ou quando caminhamos, passos incertos, para uma prova sobre a qual não estudamos. É essa sensação que preenche a barriga naquela interminável hora-e-quinze do trajeto Sampa-Porto Alegre quando se volta para casa. É aquela coisa que não nos deixa dormir mesmo quando estamos no ápice do cansaço, e que nos faz ficar na internet buscando referências, inventando ocupações, olhando no relógio, e torcendo, vejam só, torcendo para o tempo passar.


E a cabeça gira de cansaço, mas o sono não vem. Às três desligo o computador, digo chega, e me vou à cama. Às cinco e meia acordo desesperado antes do despertador achando que estou atrasado. Às seis pulo da cama e volto para o computador. Continuar escrevendo o trabalho de mestrado poderia ajudar ao tempo passar mais rápido, não...? Banho, mate, metrô, aeroporto, terminal errado, ônibus, agora sim terminal certo, vôo previsto na hora, porta onze. Sete longos minutos entre o horário previsto e a hora da aterrissagem. Qual era a porta mesmo? Dez ou onze? Hum... uma está ao lado da outra. Passageiros vão saindo. Abre a porta dez, corro. Não era. Abre a onze, corro. Não era. E cá estamos, em um baile de ida e volta, entre portas, passageiros e malas. Cálculos mentais: aterrissar, manobrar, fila para sair da aeronave, controle de fronteira, malas... (hum... malas demora, é isso, com certeza...). O baile segue, tal como um pai do lado de fora da sala de parto esperando para ouvir o som do choro do recém nascido. Inspira um, dois, três... expira... a porta abre. A onze. Chora o bebê. Uma pequena figura tenta aparecer atrás do carrinho de malas (ou: um carrinho de malas puxa uma pequena figura que tem os olhinhos “deste” tamanho por detrás dos óculos). Sorrio. Não sei se vou rápido, ou se caminho lentamente. Você está na minha frente, tão real, tão colorida, tão... pequena. Minha mão se aproxima lentamente do teu rosto, meus dedos tocam tua pele...


fade out.


“E foi tanta felicidade que toda cidade se iluminou

E foram tantos beijos loucos, tantos gritos roucos como não se ouvia mais

Que o mundo compreendeu

E o dia amanheceu

Em paz...”

domingo, 24 de janeiro de 2010

Manifesto

Hoje eu cambiei minha descrição do blog. Pode não parecer nada, mas foi um passo muito importante rumo à auto-afirmação. Não, acho que não. Acho que isso é só uma maneira de seguir meio que se enganando e meio que tentando buscar a auto-afirmação. Mas é uma tentativa. A mudança pode não parecer muito grande para quem passa despercebido pelo texto ou não tem saco para ler tudo (o que eu não critico, não sei se eu teria o tal do saco). O que importa, além das alterações geográficas de onde estou morando e de uma suave crítica embutida à Universidade de Sevilla, é que tirei o “quer ser ator” da frase inicial para um termo mais simples: “ator”. Simples, você perguntará? Não, “não é tão simples assim”, como já diria um colega sevilhano que não conseguia contar quantas ações usava para realizar uma ação cotidiana em uma classe de Mimo. Ser ator não é simples, ao contrário de que muita gente pense assim e “virem” atores da noite para o dia. E hoje, enquanto tentava atualizar meu currículo Lattes me dei conta que é trabalho para mais de um dia. E aí, me dei conta, outra vez, que estudo esse negócio há dez anos (sim, novembro de 1999, es la fecha). E aí, de novo, comecei a filosofar (ao vento, como sempre) sobre a vida e a quantidade de gente que tinha cruzado ao longo desse tempo todo, gente que me fizeram aprender pra car... amba sobre a vida nesta profissão e sobre como é necessário se desenvolver como pessoa para ter o direito de exercê-la. Reivindico o direito de ser ator. O direito adquirido pelo estudo e pela prática, estudantil, amadora e profissional. Reivindico o direito de ser respeitado pela minha profissão e por tudo o que a gente passa para manter um nível de arte decente, mesmo que as pessoas não venham nos ver no teatro. Reivindico o direito de continuar trabalhando, estudando e crescendo como pessoa, aprendendo com outros artistas e suas diferentes experiências que podem enriquecer o nosso trabalho. Reivindico o direito de me dizer ator, e o direito de pedir para meus colegas refletirem sobre a importância que a nossa profissão tem, e sobre a relevância e responsabilidade que esta afirmação carrega em si.


Para acabar, uma citação repetida:


“Josette Féral: Se um jovem ator viesse falar com você, quais conselhos você lhe daria?

Eugênio Barba: Eu diria que ninguém pediu para ele exercer essa profissão e que, para isso, é preciso uma justificativa que transcenda sua ambição e sua vaidade.”

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