Sempre tive o hábito de comparar coisas com outras coisas. Bom, até aí, normal. Nada do que outras pessoas já não façam. Tenho até que confessar que às vezes acham que estou inventando as comparações e que o que digo não tem nada a ver com o que vemos. Mas sempre tenho as justificativas necessárias para sustentar meu ponto de vista: “se tirarmos a calçada daqui e colocarmos uma desse tipo, será igual à rua x”, “olha aquela pessoa. Se a gente troca o cabelo (ou o nariz) ela vai ficar igual ao fulano”. É a teoria das fôrmas (1), aquela que diz que certas pessoas, mesmo que não se conheçam, vieram da mesma fôrma (2).
Quando acontece de estarmos longe de casa, essas comparações passam a acontecer mais seguidamente. Talvez essa seja também uma forma de aproximação com o novo contexto no qual estamos inseridos, de tornar familiar o desconhecido. Os Oriundos, por exemplo, já chamaram a Corrientes (rua de Bsas (3)) de Voluntários da Pátria (rua de Poa), a Florida (idem 1) de Rua da Praia (idem 2), e o cruzamento das duas de Esquina Democrática (idem tudo). Sim, era parecido, não vou dizer que não. Eu fui um dos que chamaram. Claro que também já chamei a Travessa dos Venezianos de San Telmo, já estendendo a comparação entre uma rua e um bairro. Dessa forma o Colónvira um “grande São Pedro”, e chamamos de Alfândega uma praça perto do La Bombonera (que ficava perto de uma avenida que parecia a Padre Cacique).
Enfim...
A distância sempre potencializa as coisas. Sentimentos, comparações, vozes, pedaços de cidade, tudo ganha uma outra dimensão. Não só a distância física, como é o caso de quem escreve esse texto hoje, mas também a outra distância, aquela que nos faz morar na mesma cidade e não nos vermos por um longo período, por exemplo. Um dia você acorda pensando em alguém (“faz tempo que não vejo fulano”), e jura que o fulano está pensando o mesmo. Você liga pra ele, mas não é atendido. Você deixa um scrap e ele demora cinco dias pra responder, se chegar a responder. Pois é. Coisas do humano.
Bem, nesse sentido continuo minhas comparações que às vezes só fazem sentido pra mim. E por isso que esses dias virei subitamente para trás durante uma aula a fim de ver quem tinha dado aquela risada igual à da Mari (na verdade, no ímpeto, quase disse “Mari?”). Aliás, ela também se assemelha a uma colega da casa de estudante onde moro: Uma italiana chamada Valentina (4). Tá certo que a Valentina é uma Mari, digamos, em início de faculdade, mais maluca, por assim dizer... mas aquela camisa xadrez não me engana!
Na mesma casa, mora o Koltès, digo, o Lukas, um alemão que parece o Koltès (na minha cabeça, repito). Já disse que ia mostrar uma foto do autor francês para ele, mas não sei se quero correr o risco de ouvi-lo dizer que não tem nada a ver. Ele é vizinho de porta de uma menina que me lembra a Paola, mas aí é uma semelhança postural, gestual, sei lá. Só sei que lembro de uma olhando para a outra. E a Irene quase chega a ter uma carinha de tartaruga (comparação afetuosa que faço com o rostinho redondo da Lola).
Que mais...? O Zé Mário Storino é meu professor de “Pesquisa Qualitativa”. Juro. Esse é uma combinação de olhar e sorriso. Igual. Sem tirar nem pôr. M. Henry, ele se chama. Poderiam ser irmãos, perfeitamente. O mesmo digo de um outro professor, M. Dubois, que é igual ao Clóvis (professor do Dad). Este eu não preciso me questionar muito: a Camila Bauer, que conhece os dois, concordou comigo e assinou embaixo. Ufa...
Falando nisso, lembra da Voluntários que citei lá no início? Achei. Fica no Boulevard de Rochechouart, metrô Anvers. Essa comparação também tem aprovação: quando contei pra Camila que encontrei “nossa Voluntários”, ela disse que o Clóvis (o mesmo do parágrafo anterior), um dia a pegou pela mão e disse “Vem que vou te mostrar a Voluntários daqui...”. Ufa 2...
Mas também acontece de as comparações virem todas juntas, o que aconteceu quando fomos num pub que tocava jazz. A dona da idéia foi a Lisa, que estava louca para cantar no evento. Explico: a banda toca um pouco, com sua vocalista original, depois abre para quem quiser vir cantar algo. E as pessoas vão! E as pessoas cantam muito, muito bem! (comecei a perceber que não eram quaisquer pessoas, já que portavam suas partituras para não correr o risco de a banda não conhecer a música proposta). Muito legal essa idéia. Mesmo.
A noite corria normal até o momento em que fui no banheiro e demorei cinco minutos para conseguir abrir a torneira. É que tinha só a torneira, não tinha como abri-la. Depois de procurar por todos os cantos, vi que era preciso pisar num negocinho lá embaixo para fazer sair água aqui em cima (uma coisa meio como aquele aparelhinho dos caça-fantasmas onde a gente pisa para caçar-fantasmas). (5)
Bom, quando saí de lá minha vida mudou. Primeiro, porque estavam chegando no barzinho o Sílvio (colega do Caixa-preta), ou alguém que se parecia muito com ele, e o Mauro Soares, ou alguém que se parecia muito com ele – ou talvez fosse apenas o óculos que escondia todo o rosto... vai saber... Segundo que, como um golpe de realidade – ou seria de (muita) ilusão? –, percebi que conhecia todo mundo da banda. É sério. E dessa vez, tenho até uma foto para mostrar, do momento em que a Liza estava nos presenteando com sua voz:
Foto do Maico. Ele sabe que tá sem qualidade. Se tiver muito ruim, olhe pelo Facebook.
Sob o símbolo do Café Universel Paris, da esquerda para a direita: “Leônidas” no piano, Liza ao centro, “Lipsen” no baixo e “Zé Leandro” na bateria.
É bom quando a gente descobre essas coisas, ao mesmo tempo que é triste não poder cutucar ninguém nessa hora, já que ninguém conhece as pessoas em questão. Mas também é um alívio descobrir com quem o outro se parece.
E aí, o que fica? Sei lá... as coisas se repetem num constante vai-e-vem de cidades, pessoas, coisas, músicas, semelhanças... e no fundo a gente fica pensando que tudo é igual, com um monte de coisas que as diferenciam (6). Será que todas as cidades são iguais? Será que o porto de Santos é tão parecido com o de Porto Alegre? Será que Milão parece mesmo um canto escondido cinza e industrial de São Paulo? Rogério Ceni e Luciano Hulk? Thomas leabhart é mais parecido com o mestre dos magos ou com Anthony Hopkins?
De qualquer forma, esta semana, a última de aulas deste semestre, tenho que fazer comparações escritas para uma aula: “Estudo Comparativo de Práticas Performativas”, do prof. Clóv... digo, Dubois (7). E, após ler este texto confuso e cheio de notas chatas, percebi que não sou nada científico.
Tanto pior. Vai saber o porquê de este texto ter o título que tem.
“Qualquer semelhança é mera coincidência”
?
(1) Essa teoria não se encontra oficialmente em nenhum lugar. Eu que inventei isso pra mim mesmo há uns seis anos. Mas se alguém quiser, pode até fazer uma tese sobre isso, afinal de contas tudo pode virar tese. Aliás, percebam que este texto tem notas de rodapé. Que científico, não?
(2) Sim, escrevi fôrma com acento. Não queria correr o risco de ser confundido com a palavra forma. Só que, como agora mudou um monte de coisa na nossa gramática, a gente pode errar um monte de acento com desculpas. Por isso nem procurei a grafia correta, sempre vai ter algum mestre em letras em Santa Maria para me corrigir.
Você não conseguiu voltar pra casa porque era um período de alta temporada somado com crise mundial e preços lá no alto. Você é obrigado a passar o réveillon em Paris. Você pensa: “Ah, que pena, vou ter que ficar aqui”. Você espera que a cidade exploda em luz, você espera shows espalhados por todos os cantos, você espera ver muitos champagnes franceses. Você espera...
23h. Metrô hiper, mega, ultra-lotado. As sardinhas se apertam para conseguir chegar no Champs Elysées, uma das avenidas mais badaladas do mundo. Os bêbados batem no teto, os que querem entrar gritam ofensas e amassam ainda mais quem já está dentro. Cada estação é uma luta de sobrevivência. Ao chegar na estação da avenida, as portas se abrem cuspindo todo mundo em direção às escadas rolantes, que não dão conta do trabalho.
Exatamente no meio da “Champs”, olhamos para um lado e vemos o Arco do Triunfo. Olhamos para o outro e vemos a Place de la Concorde. E, óbvio, muita, muita gente. A Torre Eiffel nos espia por cima dos prédios. Esperamos um show de fogos, alguma coisa tipo Copacabana, só que um pouquinho maior, se é que vocês me entendem. Alguém olha no relógio, faltam cinco minutos. Estranhamos não ver pessoas com garrafas de champagne, nós próprios não temos, mas podemos contar na nossa volta: numa roda de amigos, uma garrafa; com um casal de namorados, outra. E só. Também estranhamos o fato de não ver um show, alguma coisa para entreter o público. Mas tá, de repente isso é mania de brasileiro acostumado a pão e circo desde pequeno. Relevamos este detalhe. Procuramos um relógio em comum: não tem. Alguma unidade na contagem regressiva...? hum... não conseguimos prever como será. Falta um minuto para o grande momento.
Detalhe: a Torre Eiffel durante a noite é iluminada com uma luz “azul-ridículo” que a faz desaparecer da vista da cidade (isso por causa da União Européia e do Sarkozy). E, a cada hora completa, a iluminação troca e fica durante uns cinco minutos, um pisca-pisca como o de uma árvore de natal, só que mais rápido (a melhor coisa da virada de ano foi o fato de a torre voltar à iluminação de sempre, depois de seis meses).
Bom, aguardando o “grande momento”, vemos que a torre começa a piscar, como sempre, por ter completado mais uma hora inteira. Alguém na multidão grita algo, todos olham a torre e, automaticamente para o Arco. Alguma pessoas se abraçam. A gente só tem certeza que é meia noite pelo sinal luminoso da torre. Os três brasileiros presentes no grupo se olham, incrédulos, mas ainda esperam que aconteça alguma coisa. Lá na frente, perto do Arco, alguém solta um fogo de artifício (eu disse um). A multidão grita, impressionada por aquele fogo solitário. Os brasileiros riem, mas no fundo no fundo, querem chorar. Nos 15 minutos que se seguem, temos a oportunidade de ver mais alguns cinco fogos solitários, com pessoas gritando na volta. Triste, muito triste.
Champs Elysées. Vista para a Place de la Concorde, com uma roda gigante na frente e luzes natalinas. Para o Réveillon, nada. Exatamente nada.
Ainda não acreditando que não aconteceu exatamente nada, resolvemos caminhar até o pé da torre. De repente lá tenha alguma coisa. Não vou me estender nessa parte: Muita multidão, o que nos impedia de caminhar muito bem; muito frio e pés congelados, o que nos impedia de caminhar muito bem (2); uma câmera fotográfica de um dos brasileiros roubada (finalmente alguma coisa com cara de réveillon); um quase-arrastão seguido de muitos policiais e garrafas quebradas no pé da torre Eiffel (finalmente outra coisa com cara de réveillon); e o metrô que ficava aberto somente até a 1h30, o que fez todos quererem voltar antes desse horário e que resultou num gigantesco congestionamento de pessoas na entrada de cada estação. Após cortarmos caminho pelo famoso Champs de Mars (o parque em frente à torre) e de mudar de rota devido aos tiros para o chão disparados por um garoto sinistro, chegamos em uma outra estação e pegamos exatamente o último metrô para casa. A salvos, num ambiente quentinho (até demais), aguardamos com prazer mesmo durante a parada de quase meia hora entreuma estação e outra, para algum procedimento que não entendi até agora.
2h50. Os brasileiros chegam e correm para internet para o verdadeiro réveillon, esse que a gente vê pela internet. Ligam para a família, para a namorada e falam com amigos pelo Messenger. Finalmente, num quarto de uma casa de estudante, respeitando o fuso de 3h, o réveillon acontece, para uma só pessoa, em um local distante, e com aquela sensação de que, no fundo no fundo, passou a noite inteira realmente sozinho.