terça-feira, 10 de março de 2009

Under pressure

Sentou na grama, achou um pequeno espaço onde ela dava lugar a uma pequena poça de areia, tirou os sapatos e mergulhou seus calcanhares. Nunca tinha estado ali, não sabia se algum dia voltaria. Era bonito. Sim, era muito bonito. Lembrou-se que queria conhecer mais lugares assim. Queria viajar mais, queria curtir as coisas no detalhe, “a simplicidade escondida nas pequenas coisas”. Queria aprender a andar a cavalo, talvez um dia ter um sítio, entrar nu em um rio em um dia quente, como sempre tinha vontade de fazer quando lia as estórias no gibi. Queria saber andar de skate como poderia se não tivesse parado duas semanas depois de começar quando tinha nove anos. Agora não dava mais tempo, já estava com dezessete. Tinha que pensar coisas concretas, tinha que trabalhar, tinha que estudar. Queria mesmo era fazer um filme, parecia tão legal. Também era bonito de ver quem se arrumava bem, carregava uma pasta preta, e saía de terno. Poderia um dia, ele também ter um? Queria aprender a falar inglês decentemente, ou espanhol, sei lá. É tão bonito enrolar a língua e ainda assim conseguir se comunicar... falar je t’aime mi amor para aquela menina tão bonita que ele sabia que nunca teria. Mas também queria ficar com aquela outra. E aquela outra ali, que é tão linda... e construir uma família, ter um filho... Um não: dois, porque “se for um casal se cria melhor”, mas ainda era tão cedo, estava com vinte e oito e precisava ajeitar a vida, terminar o curso, trabalhar... E ainda queria correr o mundo, viver perigosamente, andar de carona, “colocar o dedão pra funcionar”, passar a noite em um hotel de beira de estrada, passar a noite embaixo de uma ponte, passar a noite com aquela menina que ele viu de passagem no caixa do supermercado, passar a noite dançando rock, dançando tango, dançando jazz, dançando dança contemporânea... Por que não procurava aquele curso de dança mesmo...? Era tão lindo quem articulava o corpo daquela forma no hip hop... Poderia começar, mas isso exige treinamento desde criança, não daria tempo... além disso, precisava terminar aquele projeto que começou... quando mesmo...? Lembrou que cada vez que olhava para o que tinha que fazer não conseguia nem supor a forma como daria conta de tudo aquilo. “A questão é de começar agora, não esperar ‘o’ evento”. Tá, mas começar o quê? Por qual lado atacar? Antes a frase escrita na porta do banheiro tinha algum sentido, agora virou lugar comum... Poderia começar com aquela lista dos filmes que não tinha visto... mas era tão longa! Todo mundo já tinha visto aquilo, menos ele – não, não daria tempo de correr atrás e ver tudo. Além do mais, tinha que arrumar o quarto, não podia se sentir bem naquela bagunça. Poderia se mudar, começar de novo, ir para uma cidade maior, se perder, trabalhar numa construção, assistir musicais...


sim... assistir musicais...


e aprender a cantar as músicas do programa! E treinar para ser cantor! E cantar tocando piano! Piano! Sim, poderia aprender a tocar piano! Será que daria tempo? Seria lindo no hall de entrada de um hotel tocando e cantando um jazz, e levantando depois, colocando seu chapéu e saindo subitamente, enquanto os hóspedes pedem só mais uma... Ele diria sinto muito mas não posso, acabei de tomar uma decisão importantíssima. E correria na casa daquela sua colega de infância que nunca mais o tinha visto, tocaria a campainha e ao abrir da porta lhe daria um beijo de lhe tirar o ar, e diante o assombro da menina diria isso foi pela sexta série, piscaria o olho, recolocaria o chapéu e sairia impassível diante do seu assombro, sabendo que tinha cumprido pelo menos uma das coisas que tinha um dia sonhado em um dia fazer.


Com o pé inteiro mergulhado na areia, viu a noite chegar. Queria dormir até a fogueira apagar e acordar passando frio.

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