segunda-feira, 6 de abril de 2009

“Eu trafego, você congestiona”

Essa semana entrou a primavera. De uma hora para outra começaram a aparecer flores nas árvores, sol no céu, graus nos termômetros. Até um chinelo nos meus pés apareceu, durante um passeio de uma journée inteira.


O contexto favoreceu a realização de um sonho antigo que tinha desde que descobri que a prefeitura mantinha um serviço de aluguel de bicicletas público: estreei no Velib’.


Quem me conhece sabe o quanto eu primo pela bicicleta. Nunca fui um ciclista de carteirinha, é verdade, mas desde que a passagem do ônibus começou a subir desenfreadamente em Porto Alegre, não tive escolha, senão subir as lombas da cidade na força. Daí ao hábito foi uma pedalada – além de ecológico e saudável, percorrer as ruas de uma cidade sobre duas rodas (sem motor) é algo, digamos, libertador. Aí, imaginem a felicidade de quem passou seis meses de inverno entocado no metrô e retornou de repente para um velho maravilhoso hábito, se perdendo – quase todas as vezes – nessas ruas tão bonitinhas. Fechem os olhos, imaginem uma pessoa numa propaganda de sabão em pó pedalando no meio de um campo florido: era eu.


Mas nem tudo são flores na vida de Joseph Climber. A bicicleta pode também ser um hábito perigoso, infelizmente. Sempre me disseram isso, e sempre achei que teria que existir uma forma de pedalar em paz, sem se preocupar com esses malucos que andam por aí, atrás dos volantes que protegem tão bem seus mau-humores, suas pressas e seus desrespeitos para com quem não tem uma máquina em volta do próprio corpo para se proteger.


Ontem ensinei um amigo alemão sobre como usufruir dos serviços do Velib’. Antes de andar, ele estava com medo, dizendo que em Bremen a coisa não é muito fácil. Mas após alguns curtos relatos, me dei conta que a cidade dele é um paraíso se comparado com Porto Alegre. Me lembrei das 4002 vezes que os taxistas cortaram a minha frente na Riachuelo quando queriam entrar na Caldas Júnior sem dar sinal de luz, da zona que é pedalar na Júlio, ou na Bento, com os ônibus tirando tinta (literalmente) do meu meio de transporte, além de inúmeros outros casos e desaforos que já escutei durante minhas idas e vindas.


Em Paris, as bicicletas andam como os carros. Paramos nas faixas de segurança. Paramos no sinal vermelho, mesmo quando não está passando ninguém. Para ultrapassar um ônibus estacionado, nem precisa fazer sinal para o motorista que vem atrás: ele mesmo desacelera para que possamos andar um pouco mais à esquerda. Claro que nem tudo é perfeito, visto as campanhas que existem sobre segurança no trânsito de bicicletas e conscientização de motoristas. Mas se lá de onde eu venho os motoristas tivessem a metade do respeito que esses aqui tem...! Ou medo, sei lá, já que a incomodação está garantida para o motorista se ele fizer algo contra um ciclista...


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Hoje me deparei com a história da Márcia, relatada no Boteco Sujo. É incrível como é necessário que vidas se percam para que assuntos importantes voltem a ser moda. Bicicleteira de carteirinha, ela ia pela Paulista quando um ônibus a transformou em estatística. (O resto da história está no link aí em cima, narrado com inteligência e precisão. Clica que vale a pena.)


O que me chama atenção é que ela não fazia corpo mole, não tinha medo do trânsito nem de responder para motorista mal-educado. Seus escritos revelam o quanto ela amava ser ciclista e o quanto ficaria feliz se morresse pedalando. O título desta postagem é uma frase sua.


Deixo aqui o vídeo da homenagem que para ela fizeram. Um minuto de silêncio em frente à bicicleta fantasma, no final de janeiro passado, com direito a um trovão que chegou estrategicamente para encerrá-lo.



Amanhã tenho um curso bem cedo. Farei questão de sair mais cedo ainda, pegar um Velib’ e cruzar a cidade pedalando, respeitando todas as regras, parando em todos os sinais vermelhos, em todas as faixas de pedestre, aproveitando bem todas as vias especialmente dedicadas a nós, ciclistas. Minha forma de homenagear a Márcia e todos os ciclistas que quiseram ser livres e pagaram com a vida. Minha forma de homenagear os ciclistas de São Paulo que não pararão de pedalar mesmo se amanhã ou depois perderem mais um amigo. Minha forma de homenagear os ciclistas de Porto Alegre, dos quais eu fiz e voltarei dentro em breve a fazer parte.



2 comentários:

Pablo Berned disse...

Só quem pedala sobre duas rodas entende essa questão...

Mariana Mantovani disse...

aaai. to precisada duma bicicletinha por aqui. saudade da minha cestinha :)mas eu que sempre fui destemida lá no portinho, aqui tenho um certo pavor. mais ainda dos colegas de duas rodas, mas com motor, que andam loucos loucos por aí!

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